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Poeta, compositor, tímido, deslocado, romântico e contador de mentiras...

Arquivo poético

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Cinzas

As luzes
As casas
As poças de água
O beijo
O concreto
Nem antigo nem moderno
A moda
A merda
É a massa sem sal

As luzes apagadas
As casas sem água
O beijo
O batom
Nem azul nem marrom
A raça
Desgraça
É a natureza sem cor

(Poema de 1996)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

José, a pedra e eu

Chutei a pedra com a qual me deparei no caminho. Eu seguia à direção alguma, sem rumo ou pressa de chegar. Mas quem essa pedra achou que era para impedir minha passagem ou me fazer tropeçar? Dei-lhe um chute certeiro que até machucou meu pé, e agora sigo a mancar, ainda sem destino.
Pois é José, e agora? Por que razão fora Drummond pôr essa pedra em teu caminho? Ah, mas não foi bem em teu caminho, não é mesmo? Tua poesia não tem nome, assim como a minha. E seguimos caminhos contrários, talvez. Quem sabe para onde você foi e pra onde vou agora? A pedra ficou para trás, outras hão de estar presentes, embora.
E não há mais festas. Luz não há mais. Cadê o povo, José. Onde estará tua mulher, teu discurso, teu cuspe? Eu ainda posso beber, mas não me excedo. Fumar não me apetece e continuo escrevendo meus versos. Para quem, tu perguntas? Ora, ninguém a não ser meu ego egoísta e mesquinho, tão fustigado de decepções. Afinal, quem somos nós, os que escrevem poesia, se onde estamos as palavras não são ditas aos ouvidos, mas aos órgãos genitais?
Cansei, José. E ainda que eu gritasse, gemesse. Ainda que eu tocasse a valsa vienense, ninguém me daria ouvidos. Não sou tão duro como você. Mas também não morro fácil. As paredes que me cercam são mais sufocamento que proteção, e meu cavalo morreu de sede há muito tempo. Eu chutei aquela pedra, José. Contudo, que dor no meu pé, na minha cabeça e no meu peito.

Ah, quem dera saber onde nos leva este caminho.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Cores do asfalto

Faróis acesos antes de o dia nascer por completo. Vermelhos meus olhos, assim como o semáforo. Afobados, muitos carros atravessam tanto este como aqueles. E eu que não o faço, fico atingido pela pressa, aflito por permanecer parado. Correm os pneus, rodas e meus pensamentos. Estes não tão depressa como aqueles, tendo em vista a hora do dia e por isso mal acordaram. O céu sobre mim não pesa, como pesam os pés no acelerador dos que cruzam os semáforos avermelhados. E fico a olhar o que se passa na pressa, nos passos, nas peças que precisam de conserto, no carro e nos motores ensanguentados.
Apagaram-se agora. O que era vermelho esverdeou. Vê? Nem todos veem. E o que era preto ganha nova cor. Avermelhou-se o asfalto depois da freada do apressado, que se precipitou. O que eram verdes enegreceram. Eram olhos de bonita cor. E depois da pressa dos pés pesados, outros faróis se pintarão de vermelho. E não serão os do carro, do semáforo, mas daqueles que em casa ficaram esperando pela volta dos que foram apenas passear para ver o céu azul.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Anéis

Já não há mais dedos para os anéis. Ou estes ficaram pequenos demais ou aqueles engordaram além da conta. Ou será o contrário? Só sei que não vejo entre os casais – isso quando os vejo – o beijo na mão, o toque dos olhos e a cor viva dos lábios quando estes sorriem sem motivos.
Seria o amor uma declaração nas redes sociais? A mudança de “status” em perfis da internet? Estaria o amor a navegar por bits, bytes, mega, ultra, hiper exposição a um público desconhecido? Afinal, pra quem se dirige sua fala (ou melhor, suas mensagens)? Quem é o destinatário de suas lamentações? Vivemos em uma democracia e de grande valia é a opinião bem fundamentada. Contudo, pouco importa o que você fez depois de acordar, antes de dormir, no banho, no trânsito, na puta que pariu!

Não há mais dedos para toque das mãos. São muitas teclas a separá-los. São todos amantes de todos, carentes, cheios de amor para dar. Solitários saciando desejos sobre os teclados. E os anéis? Ficam sob os anais perdidos em folhas rabiscadas de algum diário esquecido no fundo do armário da alma.

terça-feira, 11 de março de 2014

Cadê o amor?

Cadê o amor?

O amor morreu! Ah, será? Sabemos que ainda vive em alguma página da literatura, da internet, cenários de cinema, refrãos de música. Falo do amor entre homem e mulher. Aquele feito pra casar, ter filhos. Existem outros, não? Afinal, os gregos já consideravam os diversos amores: Eros, Fília, Ágape. Cada um com suas particularidades. Contudo, o que me interessa falar é sobre o amor romântico. Então, onde ele está? Nas ruas, supermercados, carros na avenida, janela de apartamentos, academia, faculdade, trabalho? Onde se esconde? Onde?
Das dezenas de vezes que nos apaixonamos durante a vida qual delas foi realmente amor? Ah, você jurou amor durante a adolescência, disse que nunca mais deixaria aquela pessoa que conheceu na faculdade, ficou encantada com o colega de trabalho e acreditou enfim que tinha encontrado o amor eterno. Será? Quantas pessoas por você passaram, deitaram em sua cama, dividiram sua mesa e o sofá da sua sala? Quantas? Perdeu a conta?
Ah, o amor é lindo! Sim! Antes de descobrir as manias do outro, tudo é belo. Antes de se irritar com suas atitudes impensadas ou racionais demais. Antes de saber que ele é cheio de defeitos e detesta os filmes de que você tanto gosta. É lindo antes de a barriga crescer, dos cabelos caírem, do dinheiro minguar. É lindo, principalmente, quando não há comprometimento. Quando você não precisa abrir mão de certas coisas. Quando cada um vai pra sua casa depois de um desentendimento que acaba gerando uma briga idiota.
O amor morreu? Não. Ele vive. O que morreu foram os protagonistas desse sentimento. Ninguém quer lutar para fazer valer a pena. É muito esforço desprendido. Ninguém quer se doar, aceitar o outro como ele é. Ninguém quer deixar suas vaidades de lado, seus desejos mesquinhos. Ninguém quer sofrer, suportar a dor, esperar, ter paciência e compreensão. É como uma biblioteca vazia. Os livros estão lá, e ninguém quer ter o trabalho de tira-los da estante e se debruçar sobre suas páginas. O máximo que fazem é apreciar a capa, a sinopse. O conteúdo fica sempre desconhecido, quando muito, superficial.

Quanto trabalho que dá ler um livro? E quantos livros você já leu em sua vida? O amor existe. Mas a biblioteca está vazia.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Jardins sem grama


Cortaram as asas e o avião não caiu. Flutuou no ar como gavião. À espreita ficou, à espera do mar, pra poder deitar seu corpo vazio. Vendaram os olhos e da direção não fugiu. Caminhou na estrada como um cego. Na tentativa ficou, tateando objetos para reconhecer o caminho.
Prenderam-lhe os braços, as pernas e o cérebro. Saquearam suas ideias, seus sonhos, seu estômago. Não bastou correr. Ficar tão pouco. Não foram suficientes os ponteiros curtos, os punhos fortes, a saliva sem sal. Deram-lhe vinagre quando desejou vinho. Deram-lhe água quando atingido por tiros.
Pobre das pedras! Sem salário, sem paixões. Sem saber que a vida pesa no asfalto e nos jardins sem grama.


segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Hospital doente

-Tragam soro!
 Entraram gritos nos corredores. A cadeira. A fila. A espera. A dor.
- Tragam o soro!
Um remédio qualquer. Os gritos já tomaram os cômodos e meus murmúrios agora ao menos têm um consolo.
- Traz! Traz o soro!
 A injeção. A ingestão. Um alívio qualquer.
A senha no painel. A impaciência nas mãos. A sala cheia. O cheiro podre. A paralisia dos membros.
- Traz! Traz o soro!
O hospital caminha sem pernas.